quinta-feira

CAPÍTULO CINCO - A CONSTRUÇÃO DO CORAÇÃO ATRAVÉS DA VIGILÂNCIA E DA ORAÇÃO




“O Homem Oculto do Coração” - Obra escrita pelo Arquimandrita Zacharias de Essex "

Um fator básico na edificação do coração e na prática da oração é a vigilância, que ajuda vastamente à direcionar a mente para o coração e depois para Deus.[1] A vigilância concentra todo o homem em seu esforço para permanecer na presença de Deus e carregar seus mandamentos. 

Na tradição ascética, a vigilância, ou atenção da mente durante a oração, é essencial para o cumprimento do primeiro grande mandamento - amar a Deus. Ele visa assegurar que todo movimento da mente e do coração esteja em harmonia com o Espírito de Deus, para que o retorno do homem a Deus seja completo, pois o nosso Deus é um Deus zeloso, que não se contenta com nada menos que todo o coração do homem. É por isso que o cristão está diante de Deus no início de cada dia: ele sintoniza toda a sua disposição, colocando sua mente em seu coração, mantendo assim seus pensamentos e sentimentos na constante presença do Senhor. 

Uma maneira de manter essa atitude ao longo do dia, consiste na prática de assumir voluntariamente a culpa sobre si mesmo. Quando o homem se julga estritamente, ele é contrito perante o Senhor, e toda a sua mente se junta ao seu coração. Ele está, então, mais disposto a clamar a Deus com todo o seu coração e ser justificado por Ele. Essa prática estabelece firmemente a vigilância de sua mente e, a partir daí, "não é fácil para o inimigo fraudar o seu caminho" no coração do crente.[2] 

Durante a oração, a atenção do crente deve ser acompanhada por autocontrole e paciência, que também é chamada de "vigilância orante". Isso verifica a dispersão da mente e a mantém concentrada no trabalho da oração. De fato, a oração per se, como se desenvolveu dentro da tradição Ortodoxa, é em si uma forma de vigilância, na medida em que envolve a invocação repetida do nome do Senhor em uma única frase: 'Senhor, Jesus Cristo, Filho de Deus, tem piedade de mim. 

A primeira parte desta oração contém uma confissão de fé na divindade de Cristo e na Santíssima Trindade. A segunda parte, "tenha misericórdia de mim", é a súplica de quem reza - seu reconhecimento da queda do homem (em ambas as suas dimensões universal e pessoal), sua pecaminosidade e sua necessidade de redenção. Ambas as partes da oração, a confissão de fé e a súplica do penitente, são complementares e dão à oração a plenitude de seu conteúdo. 

Inicialmente, esta oração de uma única frase é dita em voz alta. Isso se desenvolve em sua expressão silenciosa e, finalmente, pela cooperação da graça, a mente orante desce ao coração profundo do homem, onde o Nome do Senhor encontra sua morada legítima. Este tipo de oração é, portanto, conhecido como oração noética ou oração do coração. 

A invocação contínua do Nome de Cristo e a atenção da mente às palavras da oração, promovem uma disposição estável de oração. A oração gradualmente se torna o estado natural do homem, a vestimenta da alma, e a reação natural do coração em relação a todo evento na esfera espiritual. De passagem, chamamos a atenção para o grande significado de tal oração na hora da morte. O trabalho da oração noética é, em última análise, uma preparação para a vida celestial, e o asceta, portanto, olha para o final de sua vida na Terra. Ele se treina para abandonar todo cuidado terreno, para que seu nascimento na vida celestial possa ser indolor e tão livre de perigos quanto possível. 

A descida da mente para o coração não é alcançada por meio de técnicas artificiais relacionadas à postura do corpo ou ao controle da respiração. É claro que tais meios não são necessariamente desprovidos de valor e podem ser usados como ajuda nos primeiros estágios da vida espiritual, sempre tendo em mente que a supervisão de um guia espiritual e uma atitude humilde do aprediz são indispensáveis. Mas, quando tudo é dito e feito, a graça de Deus sózinha permite que a mente desça ao coração e entre em união com ela. 

É lamentável que haja confusão generalizada entre os inexperientes, para não mencionar a ilusão, segundo a qual a Oração de Jesus é considerada equivalente ao yoga, ao budismo, ou "meditação transcendental" e outras práticas exóticas orientais. Qualquer semelhança, no entanto, é principalmente externa, e qualquer convergência interna não se eleva além da "anatomia" natural da alma humana. A diferença fundamental entre o cristianismo e outras crenças e práticas, reside no fato de que a Oração de Jesus é baseada na revelação do Único Deus Vivo e pessoal como Santíssima Trindade. Nenhum outro caminho admite qualquer possibilidade de um relacionamento vivo entre Deus e a pessoa que reza. 

O ascetismo oriental visa despojar a mente de tudo o que é relativo e transitório, de modo que o homem possa se identificar com o Absoluto impessoal. Acredita-se que esse Absoluto seja a "natureza" original do homem, que sofreu degradação e degeneração ao entrar em uma vida multiforme e em constante transformação na Terra. A prática ascética como esta é, acima de tudo, centrada no eu, e é totalmente dependente da vontade do homem. Seu caráter intelectual trai a plenitude da natureza humana, na medida em que não leva em conta o coração. A principal luta do homem é retornar ao anônimo Supra-pessoal Absoluto e ser dissolvido nele. Ele deve, portanto, aspirar a apagar a alma (Atman), a fim de ser 'um' com este oceano anônimo do Absoluto Supra-pessoal, e nisso reside o seu propósito, basicamente negativo. 
  
  
Em sua luta para despojar-se de todo sofrimento e instabilidade ligados à vida transitória, o asceta oriental mergulha na esfera abstrata e intelectual da chamada Existência pura, uma esfera negativa e impessoal na qual nenhuma visão de Deus é possível, somente a visão do homem sobre si mesmo. Não há lugar para o coração nesta prática. O progresso nessa forma de ascetismo depende apenas da vontade individual de se obter sucesso. Os Upanishads não dizem em nenhum lugar que o orgulho é um obstáculo para o progresso espiritual, ou que a humildade é uma virtude. A dimensão positiva do ascetismo cristão, na qual a abnegação leva à 'um só vestuário' com o homem celestial, à assunção de uma forma sobrenatural de vida, cuja fonte é o Único e Verdadeiro Deus, está obviamente e totalmente ausente. . Mesmo em suas expressões mais nobres, a autonegação envolvida no budismo é apenas a metade insignificante do quadro. No desejo da mente de retornar ao seu eu meramente "natural", ela vê sua própria nudez em uma "nuvem de alienação". Mas, neste ponto há um grave risco de obsessão consigo mesmo, de se maravilhar com sua própria beleza luminosa, mas criada, e de adorar a criatura mais do que o Criador (Rom. 1:25). A mente já começou a divinizar-se ou idolatrar a si mesma e então, de acordo com as palavras do Senhor, "o último estado desse homem é pior que o primeiro" (Mt 12:45). 
  
  
Tais são os limites dos estilos orientais de contemplação, que não pretendem ser a contemplação de Deus, e são, de fato, a contemplação do homem sobre si mesmo. Isso não vai além dos limites do ser criado, nem se aproxima da verdade do Ser primordial, do Deus vivo incriado que se revelou ao homem. Esse tipo de prática pode muito bem proporcionar algum relaxamento ou aperfeiçoar as funções psicológicas e intelectuais do homem, mas "o que é nascido da carne é carne" (João 3: 6) e "os que estão na carne não podem agradar a Deus" (Rom. 8: 8). 
  
  
Para ser autêntico, qualquer despojemento da mente de seus apegos apaixonados aos elementos visíveis e transitórios desta vida, deve estar ligado à verdade sobre o homem. Quando o homem se vê como está aos olhos de Deus, sua única resposta é a do arrependimento. Tal arrependimento é, em si mesmo, um dom de Deus, e gera uma certa dor sobre coração que, não apenas separa a mente das coisas corruptíveis, mas também a une às coisas invisíveis e eternas de Deus. Em outras palavras, o despojamento como um fim em si mesmo é apenas metade da questão, e consiste no esforço humano operando no nível do ser criado. O cristianismo, por outro lado, ordena que o asceta se esforce na esperança e expectativa de que sua alma será vestida, investida, com a graça de Deus, que o levará à plenitude da vida imortal, para a qual ele sabe que foi criado. . 
  
  
Muitos admiram Buda e o comparam a Cristo. Buda é particularmente atraente por causa de sua compreensão compassiva da condição do homem e de seu ensinamento eloqüente sobre a libertação do sofrimento. Mas, o cristão sabe que Cristo, o Filho Unigénito de Deus, pela sua Paixão, Cruz, Morte e Ressurreição, entrou voluntariamente e sem pecado na totalidade da dor humana, transformando-a numa expressão do Seu amor perfeito. Ele assim curou Sua criatura da ferida mortal infligida pelo pecado ancestral, e a tornou "uma nova criação" para a vida eterna. A dor do coração é, portanto, de grande valor na prática da oração, pois a sua presença é um sinal de que o asceta não está longe do verdadeiro e santo caminho do amor a Deus. Se Deus, através do sofrimento, mostrou Seu amor perfeito por nós, da mesma forma, o homem tem a possibilidade, através do sofrimento, de retornar seu amor a Deus. 

Consequentemente, a oração é uma questão de amor. O homem expressa amor através da oração e, se oramos, é uma indicação de que amamos a Deus. Se não oramos, isso indica que não amamos a Deus, pois a medida da nossa oração é a medida do nosso amor a Deus. São Silouan identifica o amor a Deus com a oração, e os Santos Padres dizem que o esquecimento de Deus é a maior de todas as paixões, pois é a única paixão que não será combatida pela oração através do Nome de Deus. Se nos humilharmos e invocarmos a ajuda de Deus, confiando em Seu amor, nos é dada a força para conquistar qualquer paixão; mas quando nos esquecemos de Deus, o inimigo está livre para nos matar. 
  
NOTAS1. "He who seeks prayer with vigilancewill find prayer", Evagrius PonticusOn Prayer, 149 (PG 79: 1200A). 
  
2. Cf. ArquimandritaSofrônioOn Prayer, op. cit., p. 153 
  
3. Cf. ibid., pp. 146–147. 


tradução: Hipodiácono Paísios

4 comentários:

  1. Yoga no Budismo?? "Muitos comparam Buda com Jesus"?? Onde está isso?? Em que Nikaya?? Qual Agama?? Aliás onde se prática essa meditação transedental no budismo? Buda era um homem como qualquer outro nunca se considerou Deus ou algo parecido, Upanishades são transcrições vedicas portanto opostas ao budismo, que não cultua EU algum muito menos Atman, mas sim Anatman, não-Eu. Vocês escrevem sem conhecer absolutamente nada, mantenha-se no seu culto absolutista e deixe a fé dos outros em paz.

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    1. Existiu um erro de digitação, obrigado por avisar. Sobre o outro ponto, ele fala de uma realidade específica, onde pessoas fazem a comparação no Ocidente, em MOMENTO ALGUM ele diz que estas afirmações se encontram em algum ponto da tradição budista. O texto faz parte de um livro, cujo outros capítulos estão neste blog e outros em processo de tradução. Ler estes outros capítulos ajuda na compreensão do contexto em que ele fala e isso já está exposto aqui. Outro ponto, ele afirma "Ele deve, portanto, aspirar a apagar a alma (Atman), a fim de ser 'um' com este oceano anônimo do Absoluto Supra-pessoal, e nisso reside o seu propósito, basicamente negativo."..ele não diz que se "cultua Atman", não sei onde você pode ter lido isso. Você está completamente confuso. "onde se prática essa meditação transedental(sic) no budismo"...existe uma "virgula" e um "ou"...você veio aqui cheio de ódio e nem se dignificou a ler o o texto. Muito triste.

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    2. Aliás, este é um blog Ortodoxo. Não fui à paginas budistas comentar sobre nada. Você que criou um email e veio demonstrar ignorância(não parece ter lido o texto, bem como não parece conhecer o básico da tradição que deseja defender). Você que está nos atacando, sem nem mesmo ler e perceber que ele fala das práticas ascéticas orientais em um ponto, no outro fala das comparações ocidentais esdrúxulas e em outro fala da nossa Tradição. Você está se comportando como alguém que lê e não consegue compreender o que lê. Provavelmente leu um trecho recortado no facebook e veio cheio de ódio...você que não está deixando a "fé dos outros em paz".

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  2. Compreendo bem o que leio, li o texto perfeitamente, não vim com ódio algum, não criei e-mail para lhe atacar, muito pelo contrário acompanho ou tentava acompanhar o blog por postagens que eram mais frequentes no Facebook, realmente, as postagens no feed de notícias se tornaram raras, talvez algo haver com próprio mecanismo do Facebook, mas enfim, usei um termo pesado realmente, peço-lhe desculpas, usei uma linguagem mais emotiva, talvez, mas não justifica pelo momento em que lia e recebia uma notícia muito desagradável, por isso peço perdão. Não vejo motivo para agressão, que confesso, partiu de minha parte, fui ignorante e extremamente rude, mas estou muito longe de ser confuso ou querer atacar vocês. Continue seu trabalho, pois ele é útil e importante, a resposta que coloquei ao seu texto foi uma tolice imensa, novamente peço desculpas por tamanho inconveniente, não tenho absolutamente nada contra a Igreja Ortodoxa, espero realmente que eu consiga reverter essa terrível e tenebrosa impressão.

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