Por Arquimandrita Gregorios(Estephan)
– Hegúmeno
do Mosteiro da Dormição da Mãe de Deus - Bkefitine
O "Domingo de Tomé" não trata isoladamente de
Tomé, mas também diz respeito a Cristo. Ele trata da questão da crença de Tomé,
mas também nos dá o testemunho da Verdade da Ressurreição de Cristo. Pois antes
de sua confissão existencial na Ressurreição, Tomé também enfrentou a Verdade
da Ressurreição de Cristo como uma interrogação, impossível de abordar com a lógica
intelectual. Esta Verdade, portanto, chocou toda a sua capacidade de raciocínio
quando ele encarou o Senhor ressuscitado (Jo. 20:28).
Esse choque é semelhante ao do profeta Isaías quando
viu o Rei, o Senhor dos Exércitos (Is 6:5). Com esta visão, Tomé conheceu o
pecado da sua incredulidade: porque se ele “não tivesse visto e ainda sim
acreditado” (cf. Jo 20,29), teria conhecido o Senhor Ressuscitado com todo o
seu ser, e não apenas com aquela parte que é regida simplesmente pela lógica.
O homem foi criado, desde o princípio, para conhecer a
Deus. Esse não é um conhecimento intelectual e teórico, mas existencial, e o
caminho para esse conhecimento é a fé. A
Verdadeira Fé em Deus leva ao conhecimento vivo de Deus. Até mesmo a própria fé
se transforma em conhecimento, e o conhecimento em comunhão de vida eterna.
Este é o significado do que Cristo disse: Esta é a vida eterna: que te
conheçam, o único Deus verdadeiro, e a Jesus Cristo, a quem enviaste (João
17:3). O conhecimento de Deus que nasce da fé, transcende totalmente o
conhecimento nascido da convicção intelectual. O último nos revela questões
sobre Deus, porque se baseia na sabedoria humana, enquanto o primeiro nos
revela O próprio Deus, porque provem da iluminação divina.
A
esmagadora maioria dos cristãos está contente com essa crença intelectual
teórica. Esses cristãos têm um relacionamento externo com Deus, que não toca
seu coração e seu ser interior. É uma espécie de conexão social com Deus
baseada em princípios morais. O intelecto não é rejeitado na Ortodoxia, mas a
confiança nele sozinho sempre constituiu um perigo real na
jornada de fé de um cristão em direção a Deus.
A salvação do homem não é um assunto puramente
intelectual, ou uma crença teorica em tudo o que Deus fez na dispensação da
Cruz para nossa salvação. Pelo contrário: é uma fé absoluta, que contém uma
experiência existencial da presença de Cristo.
O verdadeiro 'ser' do homem é o espírito, não o
intelecto. Portanto, a resposta de Cristo a Tomé, de que "bem-aventurados
são os que não viram e creram", mostra que Deus se compraze e revela Seus
mistérios ao homem que se submete a Ele pela fé, de maneira sacramental, mística,
transcendendo as limitações do intelecto, de modo que o homem tenha a
oportunidade de conhecer a Deus com todo o seu ser e espírito.
Assim, o Apóstolo diz: Sem fé é impossível agradar a
Deus (Hb 11:6). São Macários, o Grande, diz que o conhecimento que opera pela
fé, por si só torna a alma digna de receber “o conhecimento dos mistérios
divinos” e entrar, pela fé, na comunhão da vida eterna.
Em verdade, a majestade de Deus e a grandeza de Sua
glória estão além da capacidade intelectual do homem. Portanto, a fé de que os
Santos Padres falaram é a capacidade da alma de transcender o poder da
compreensão humana e aceitar a experiência da presença divina dentro dela.
São Simeão, o Novo Teólogo, diz: “A divindade, que é a
graça do Santíssimo Espírito, nunca se revela a um homem que está alheio à Fé”
(Verdadeira).
Essa Fé viva não é algo estabelecido de uma vez por
todas, como é o caso das inovações evangélico-protestantes, porque isso faz de
Deus um ídolo, não um Deus vivo. A fé é uma jornada de crescimento na submissão
humana à vontade de Deus, com uma confiança que transcende toda dúvida. Em Sua
presença, providência e justiça.
É por isso que o objetivo final da Fé é o próprio
Cristo – a Verdadeira Fé, de acordo com nossos Santos Padres: nada mais do que
Jesus Cristo.
Santo Inácio de Antioquia diz: “A fé perfeita é Jesus
Cristo”. É por isso que o homem está consciente de que a fé perfeita não tem
limites e está além de todo o poder de sua compreensão intelectual.
O salmista diz: Tal conhecimento é maravilhoso demais
e está além do meu alcance, é tão elevado que não o posso atingir. (Salmos
139:6)
Pois o conhecimento de Deus que procede da fé é a
comunhão direta do homem com Deus; é a obtenção da perfeição para a qual ele é
chamado. Este dogma constitui o fundamento da salvação do homem no caminho da
fé Ortodoxa.
Uma fé viva ecoa em um coração que foi purificado de
todas as paixões e pecados, e praticou todas as virtudes. O homem que possui
tal coração pode encontrar seu Criador e conhecê-Lo através de conhecimento
pessoal. São Gregório Palamas diz: “Pois se você estudar toda a filosofia
natural, de Adão até o final, você permanecerá impuro, tolo, e não uma pessoa
sábia”.
Pois o nível superior da clareza dos olhos não está
oculto no brilho dos objetos externos que eles observam, mas na ausência de
qualquer borrão interno ou escuridão escondido dentro deles.
A remoção do véu interno e da escuridão no 'olho da
mente', requer luta espiritual contínua e crescimento na vida de ascetismo,
piedade e abnegação. É a fé que leva ao conhecimento da verdade, e não pode
encontrar seu fundamento sólido em nenhum lugar, exceto na piedade e na
humildade. Assim, segundo São Gregório Palamas, para que o conhecimento
transcenda toda a sabedoria humana e se torne caminho para a verdade e
instrumento do amor, deve-se matar primeiro a serpente, isto é, “depois de
vencer o orgulho que procede esta sabedoria. ” O orgulho torna o conhecimento
suscetível às fantasias satânicas, de modo que mais tarde se tornará propenso a
toda perversão dogmática.
Por esta razão, especificamente, a Fé Ortodoxa está
ligada à teologia dos Santo Padres ensinada pela Igreja – a teologia dos
humildes santos e comunicantes dos Mistérios de Deus. A teologia intelectual e
escolástica gera conceitos teóricos rígidos da fé, que transformam essa fé em
um estilo de vida moral e repleto de definições legais. Ao passo que uma Fé
viva, que se baseia na teologia ascética, que purifica as paixões, leva à visão
dos Mistérios de Deus. Quando o Apóstolo disse: Grande é o mistério da piedade:
Deus se manifestou em carne (1 Tm 3:16), ele provou que a santidade e a piedade
são a porta de entrada para os mistérios da fé, e para as verdades relacionadas
às revelações de Deus sobre Ele mesmo.
A ausência de Tomé entre os Apóstolos (João 20:24-31)
foi obra da providência; serviu para um objetivo essencial: é a vontade de
Cristo curar a dúvida e a nossa falta de fé. É estranho que o Senhor peça que o
homem acredite nEle sem ver, e que Ele insista nesse pedido, porque a fé é um
dom e uma revelação do próprio Deus, quando o homem abre seu coração a esse dom
divino e não apenas seu intelecto. É por isso que o homem será questionado
sobre sua fé no Dia do Juízo, e é por isso que Deus é paciente com nossa falta
de fé: para nos curar e nos salvar, não para Se submeter às nossas fraquezas.
Ao dizer: Coloque o seu dedo aqui; veja as minhas mãos
(João 20:27), Cristo mostrou amor ilimitado e paciência ilimitada para nossa
salvação. E Ele tomou a iniciativa antes que Tomé Lhe pedisse, oferecendo Seu
corpo e Suas feridas. Cristo condescendeu com a fraqueza de Seu discípulo,
assim como Ele continuamente condescende com as fraquezas dos homens e aceita
que Sua obra salvífica seja posta em dúvida.
Com muita humildade, Ele aceitou a dúvida de seu
discípulo que o acompanhava há três anos, dia e noite. Ele gentilmente o
repreendeu e não o condenou, porque ele confessou e se arrependeu. E até hoje,
se os cristãos não vivem a ressurreição de Cristo com um espírito vivo, oração,
jejum e trabalho ascético, mas através de seu intelecto limitado, então eles
vivem sem Cristo.
Até que chegue o momento em que clamamos do fundo de nossos corações: Senhor meu e Deus meu! (Jo 20:28), nossa fé permanecerá teórica, sem a presença real do Senhor triunfante - uma fé morta, sem dons espirituais. Desprovida da Graça e da salvação.
Tradução : Pe Paísios