quarta-feira

O Enigma do "EU SOU" - "His Life is Mine" (São Sofrônio de Essex)

 


 


 O Enigma do "EU SOU"

"His Life is Mine" - Capítulo II

O Ser Primordial se fez conhecido para nós através do Nome EU SOU O QUE SOU (Êx 3.13 - 14). Quem foi abençoado através de um encontro vital com Ele, em alguma medida, está habilitado para avaliar as manifestações de Deus descritas no Antigo e no Novo Testamentos. Essas revelações progressivas das esferas celestes são de suma importância, além das quais todas as outras ocorrências na história do mundo se tornam insignificantes. Não apenas nossa atividade secular, mas tudo o que a mente apreende do infinito cosmos é uma preparação para o milagre indescritível da entrada do espírito na vida Eterna, compacta de amor.

Séculos se passaram antes que o verdadeiro conteúdo desse incrível “EU SOU” fosse entendido. Apesar de todo o fervor de sua fé, nem Moisés nem os profetas, que eram seus herdeiros, apreciaram ao máximo as bênçãos que lhes foram concedidas. Eles experimentaram a Deus principalmente através de eventos históricos. Se eles se voltassem para Ele em espírito, contemplariam nas trevas. Quando nós, filhos do Novo Testamento, lemos o Antigo Testamento, notamos como Deus tentou sugerir aos nossos precursores que este EU SOU é um Ser e, ao mesmo tempo, Três Pessoas. Em algumas ocasiões, Ele até falava de Si mesmo como “nós.” "E Deus disse: Façamos o homem à nossa imagem, à nossa semelhança" (Gn 1:26). "E o Senhor Deus disse: Eis que o homem se tornou como um de nós" (Gn 3:22). Um exemplo ainda mais notável ocorre com Abraão: três homens apareceram para ele, mas ele se dirigiu a eles como se fossem apenas um (Gn 18:2).

A aquisição do conhecimento de Deus é um processo lento, que não deve ser alcançado em toda a sua plenitude desde o início, embora Deus seja sempre, e em todas as suas manifestações, invariavelmente, Uno e Indivisível. Cristo usou linguagem simples, inteligível para os mais ignorantes, mas o que Ele disse estava acima das mentes, mesmo dos mais sábios entre Seus ouvintes. 'Antes que Abraão existisse, eu sou' (João 8:58). 'Eu e meu Pai somos um' (João 10:30). 'Meu Pai o amará, e nós iremos a ele e faremos nossa morada com ele' (João 14:23). 'Orarei ao Pai, e ele lhe dará outro Consolador, para que fique com você para sempre' (João 14:16). (Então agora é introduzida uma Terceira Pessoa.) 'O Espírito da verdade, que procede do Pai, ele testemunhará a meu respeito' (João 15:26).

Observamos que Cristo gradualmente começou a falar do Pai, e foi somente no final de Sua vida terrena que Ele falou do Espírito Santo. Até o fim os discípulos falharam em entendê-Lo, e Ele não tentou explicar-lhes a imagem do Ser Divino. " Ainda tenho muito que vos dizer, mas vós não o podeis suportar agora." (João 16:12). Em vez disso, indicou como poderíamos alcançar o conhecimento perfeito: 'Se permaneceres na minha palavra ... conhecereis a verdade' (João 8:31-32). 'O Espírito Santo ... lhes ensinará todas as coisas e lhes fará lembrar tudo o que eu lhes disse.’ (João 14:26). 'Quando ele vier, o Espírito da verdade, ele o guiará em toda a verdade' (João 16:13). E Ele veio, e nos revelou a plenitude do amor Divino, mas o presente foi demais para nossa compreensão. No entanto, Ele não se retira, mas espera pacientemente que nós O amemos, Cristo, "o poder de Deus e a sabedoria de Deus" (1 Cor. 1:24), assim como Ele nos ama.

'As palavras que vos digo são espírito e vida' (João 6:63). É exatamente essa vida que consideraríamos agora - vida gerada pela oração inspirada do Alto, através do amor que chega até nós e do conhecimento razoável do Ser Primordial.

Como alguém pode descrever o estado do espírito a quem Deus se revela como EU SOU? Sua proximidade com o coração é tão tangível que a alegria nEle é como a luz. Ele é dócil e gentil, e eu posso falar com Ele intimamente, face a face, dirigir-me a Ele - 'Tu que és'. E, ao mesmo tempo, percebo que este EU SOU e esse TU QUE ÉS é todo Ser. Ele é não-originado; é auto-existente; auto-suficiente. Ele é Pessoa no sentido absoluto. Sua consciência penetra tudo o que existe. Não há nada encoberto que não seja revelado; e escondido que não será conhecido ... Não são vendidos dois pardais por um ceitil? E nenhum deles cairá por terra sem a vontade de vosso Pai. E até mesmo todos os cabelos da vossa cabeça estão todos contados '(Mt 10,26, 29-30). Também não há criatura que não se manifeste aos seus olhos; mas todas as coisas estão nuas e abertas aos olhos daquele com quem temos de tratar '(Hb 4.13). Cada momento de nossa vida, cada batimento cardíaco, está em Suas mãos. Ele é na verdade a 'Luz na qual não há trevas' (1 João 1.5). E não há ninguém e nada que possa escapar do Seu olho que tudo vê.

SOU O QUE SOU. Sim, de fato, é Ele que É. Só Ele realmente vive. Tudo convocado a partir do abismo do não-ser existe unicamente por Sua vontade. Minha vida individual, até os mínimos detalhes, vem exclusivamente dEle. Ele preenche a [nossa] alma, ligando-a cada vez mais intimamente a Si mesmo. O contato consciente com Ele marca um homem para sempre. Um homem assim não se afastará agora do Deus do amor, a quem ele conheceu. Sua mente renasce. Até então, ele estava inclinado a ver em toda parte determinados processos naturais; agora ele começa a apreender todas as coisas à luz da Pessoa. O conhecimento do Deus pessoal tem um caráter intrinsecamente pessoal. Semelhança reconhece semelhança. Há um fim no tédio mortal do impessoal. A terra, todo o universo, proclamam-NO, 'o céu e a terra louvam-O, o mar e tudo o que nela se move' (Sl. 69.34) E eis que Ele mesmo procura estar conosco, para nos comunicar a abundância de Sua vida (cf. João 10.10). E nós, por nossa parte, ansiamos por esse presente.

A alma sabe, mas não pode contê-Lo, e nisso reside sua dor. Nossos dias estão cheios do desejo de penetrar na esfera Divina com todas as fibras do nosso ser. Nossa oração deve ser ardente, e múltipla é a experiência que nos pode ser dada. Em nossos corações, subjetivamente, parece - a julgar pelo amor cujo toque sentimos - que a experiência não pode estar aberta à dúvida. Mas, apesar da onda abrangente desse amor, apesar da luz em que ele aparece, não seria apenas errado, mas perigoso, confiar exclusivamente nele. Pelas Escrituras Sagradas, sabemos que a Puríssima Virgem Maria se apressou até sua prima Elisabeth para ouvir de seus lábios se a revelação que ela havia recebido era verdadeira - de um filho que nasceria para ela, que seria grande e seria chamado de Filho de Deus, o Altíssimo; e cujo reino não teria fim (cf. Lucas 1.32-33). São Paulo, que "foi apanhado no paraíso e ouviu palavras indizíveis" (cf. 2 Cor. 12.4), dá outro exemplo. 'Agradava a Deus ... revelar Seu Filho em mim' (Gal. 1,16); no entanto, ele foi duas vezes até Jerusalém para submeter a Pedro e aos outros, 'que eram de reputação' (Gál. 2.1-2), o Evangelho que estava pregando, “para que de maneira alguma não corresse ou não tivesse corrido em vão. (Gál. 2.1-2). A história da Igreja fornece inúmeros exemplos, e, portanto, aprendemos a pedir às pessoas com mais experiência que julguem se nosso caso não é apenas imaginação, mas graça proveniente do Alto. Procuramos testemunhas confiáveis, encontradas apenas na Igreja cuja experiência milenar é incomensuravelmente mais rica e profunda do que a nossa. Tais, no passado distante, foram os Apóstolos que nos legaram no Evangelho e nas Epístolas o conhecimento que haviam recebido diretamente de Deus. Eles foram seguidos por uma sucessão de Pais (doutores e ascetas) que transmitiram pelos séculos, acima de tudo, o espírito da própria vida, muitas vezes endossando seu testemunho por escrito. Acreditamos que, em qualquer momento histórico, é possível encontrar testemunhas vivas; até o fim dos tempos, a humanidade nunca será desprovida de genuína gnose a respeito de Deus. Somente após a confirmação oficial, podemos confiar em nossa experiência pessoal e, mesmo assim, não em excesso. Nosso espírito não deve diminuir o impulso para com Deus. E a cada passo é essencial lembrar que o isolamento autoconfiante está repleto da possibilidade de transgressão contra a Verdade. Portanto, não deixaremos de orar diligentemente ao Espírito Santo, para que Ele preserve nossos passos dos caminhos da mentira.

Desde o tempo dos apóstolos, os fiéis têm vivido em sua oração a realidade única de um Deus no Pai, Filho e Espírito Santo. A linguagem humana nunca encontrou terminologia lógica satisfatória para expressar a experiência espiritual e a cognição de Deus, como proclamado pelo próprio Deus. Todas as palavras que os novos conhecimentos e a nova vida passaram de geração em geração, em certa medida ou em outra, obscureceram a genuína contemplação de Deus. Considere, por exemplo, duas das fórmulas para definir a Unidade. Aqueles, com quem geralmente mais nos encontramos, enfatizam a unidade da substância. Deus é entendido como uma objetividade absoluta em três sujeitos absolutos. Para transferir a ênfase de Substância para Pessoa - que é mais consistente com a revelação “EU SOU” - a segunda teoria interpreta EU SOU como um Único sujeito absoluto, combinando-se “Eu, Tu, Nós.”(Essa é a suposição de que o professor Bulgakov se desenvolve em seus escritos.) A primeira fórmula que visa demonstrar a plenitude da Divindade em cada Hipóstase tende, por assim dizer, a dividir os Três. A segunda, na qual o princípio Pessoal é fundamental, leva à fusão das Pessoas.

A Igreja superou a inadequação de nossa linguagem empregando modos negativos - ensinando-nos a viver as pessoas da Trindade 'não confundindo as Pessoas: nem dividindo a Substância'. E onde se trata da Encarnação do Logos, a definição se torna mais complicada pelas adições: 'não por conversão' ('da divindade em carne'); 'sem separação' ('Um, inteiramente ... na unidade da Pessoa') (cf. Credo Atanásio)*. Assim, nossa mente racionalmente funcional é tomada por um vício, incapaz de se inclinar para um lado ou para o outro, como uma figura crucificada em uma cruz.

A contemplação não é uma questão de declarações verbais, mas de experiência de vida. Na pura oração, o Pai, o Filho e o Espírito são vistos em Sua unidade consubstancial.

O Evangelho diz: 'Deus amou tanto o mundo que deu o seu Filho unigênito, para que todo aquele que nEle crê não pereça, mas tenha a vida eterna' (João 3.16). O Espírito Santo nos introduz no reino do Amor Divino, e não apenas vivemos esse amor, mas também começamos a entender que se Deus, o Primeiro e o Último, fossem mono-hipostáticos (ou seja, uma só Pessoa), então Ele não seria amor. Moisés, que interpretou a revelação EU SOU como significando uma única hipóstase, deu à lei o seu povo. Mas 'graça e verdade vieram de Jesus Cristo' (João 1,17). A Trindade é o Deus do amor: “O amor do Pai que crucifica; o amor do Filho que é crucificado; o amor do Espírito Santo que é vitorioso”(Metropolita Philareto de Moscou). Jesus, sabendo 'que chegou a sua hora de partir deste mundo para o Pai, tendo amado os seus que estavam no mundo, ele os amou até o fim '(João 13.1). Esse é o nosso Deus. E não há outro senão ele. O homem que, pelo dom do Espírito Santo, experimentou o fôlego de Seu amor, sabe com todo o seu ser que esse amor é peculiar ao Deus TriUno, revelada a nós como o modo perfeito do Ser Absoluto. O Deus mono-hipostático do Antigo Testamento e (muito depois do Novo Testamento) do Corão não conhece o amor.

Amar é viver para e no amado, cuja vida se torna a nossa vida. O amor leva à singularidade do ser. Assim é dentro da Trindade. 'O Pai ama o Filho' (João 3,35). Ele vive no Filho e no Espírito Santo. O Filho 'permanece no amor do Pai' (João 15.10) e no Espírito Santo. E o Espírito Santo que conhecemos como amor todo perfeito. O Espírito Santo procede eternamente do Pai e vive nEle e permanece no Filho. Esse amor torna a soma total do Ser Divino em um único ato eterno. Após o padrão dessa unidade, a humanidade também deve se tornar um só homem. ('Eu e meu Pai somos um' (João 10.30). 'Para que todos sejam um; como Tu, Pai, estás em mim e eu em ti, para que também eles sejam um em nós' (João 17.21).

O mandamento de Cristo é a projeção do amor celestial no plano terrestre. Realizada em seu verdadeiro conteúdo, torna a vida da humanidade semelhante à vida do Deus TriúnoO início de uma compreensão desse mistério vem com a oração para o mundo inteiro e para si mesmo. Nesta oração, vive-se a consubstancialidade da raça humana. É vital passar de noções abstratas para existenciais - isto é, categorias ontológicas.

Na vida da Trindade, cada Hipóstase é portadora de toda a plenitude do Ser Divino e, portanto, dinamicamente igual à Trindade como um todo. Alcançar a plenitude do Deus-homem é tornar-se dinamicamente igual à humanidade em conjunto. Nisto reside o verdadeiro significado do segundo mandamento, que é, de fato, "semelhante ao primeiro" (Mt 22.39).

A integralidade da revelação dada a nós é inesgotável. Como seres criados, não somos capazes de conhecer finalmente, completamente, o Primeiro Ser Incriado, da maneira que Deus Se conhece. São Paulo, no entanto, espera ansiosamente. 'Por enquanto, vemos através de um espelho, confusamente ... agora eu sei em parte; mas então saberei como também sou conhecido '(1 Cor. 13.12).

Na história do mundo cristão, observamos duas tendências teológicas: uma, com duração de séculos, acomodaria as revelações considerando o Deus Triúno em nossa maneira de pensar; a outra nos convoca ao arrependimento, a uma transformação radical de todo o nosso ser através da vida vivida de acordo com o Evangelho. A primeira é louvável, mesmo historicamente essencial, mas se separado da vida, está fadada ao fracasso. 'Jesus disse ... se um homem me ama, ele guardará minhas palavras: e meu Pai o amará, e nós iremos a ele e faremos nossa morada com ele' (João 14,23). Esta é à nossa maneira cristã de aperfeiçoar a gnose. A permanência em nós do Pai e do Filho, e inseparável dEles, o Espírito Santo nos dará o verdadeiro conhecimento de Deus.

São Simeão, o Novo Teólogo (949-1022 AD), em seu Hino 17, cita os cegos e incrédulos que não aceitam os ensinamentos da Igreja, de que o Criador Invisível e Incorruptível desceu à terra e uniu em Si as duas naturezas (o Divino e o criado, humano), declarando que ninguém da sua própria experiência conheceu ou viveu isso, ou o viu claramente. Mas em outros hinos, São Simão repete com a convicção máxima de que essa experiência lhe foi dada repetidas vezes. Quando a imperecível Luz Divina é comunicada ao homem, o próprio homem efetivamente se torna, por assim dizer, luz. A união dos dois - de Deus e do homem - é realizada pela vontade do Criador e na consciência de ambos. Se isso não fosse reconhecido, então, como diz São Simeão, a união seria dos mortos, não dos vivos. E como a Vida eterna poderia entrar no homem sem ser percebida por ele? Como seria possível, ele continua, para a Luz Divina, como um raio à noite ou um grande sol, brilhar no coração e na mente de um homem, e para o homem não estar ciente de um evento tão sublime? Unindo-se à Sua semelhança, Deus concede o verdadeiro conhecimento de Si mesmo como Ele É. Por meio do Espírito Santo, o Filho também é conhecido pelo Pai. E o homem contempla-Os na medida do possível.

Para nós, cristãos, Jesus Cristo é a medida de todas as coisas, divinas e humanas. 'Nele habita a plenitude da divindade' (Col. 2,9) e da humanidade. Ele é o nosso ideal mais perfeito. Nele encontramos a resposta para todos os nossos problemas, que sem Ele seriam insolúveis. Ele é na verdade o eixo místico do universo. Se Cristo não fosse o Filho de Deus, a salvação através da adoção do homem por Deus Pai seria totalmente incompreensível. Com Cristo, o homem avança para a eternidade divina.





tradução: Hipodiácono Paísios

*NdoT: Ένας, ολόκληρος, όχι δια της σύγχυσης των ουσιών (της θείας & ανθρώπινης ουσίας), αλλά στην ενότητα του Προσώπου.