sábado

Os Magos do Oriente e a Estrela

 




“E, tendo nascido Jesus em Belém de Judéia, no tempo do rei Herodes, eis que uns magos vieram do oriente a Jerusalém, Dizendo: Onde está aquele que é nascido rei dos judeus? Porque vimos a sua estrela no oriente, e viemos a adorá-lo”... “E, tendo eles ouvido o rei, partiram; e eis que a estrela, que tinham visto no oriente, ia adiante deles, até que, chegando, se deteve sobre o lugar onde estava o menino.

E, vendo eles a estrela, regozijaram-se muito com grande alegria.

E, entrando na casa, acharam o menino com Maria sua mãe e, prostrando-se, o adoraram; e abrindo os seus tesouros, ofertaram-lhe dádivas: ouro, incenso e mirra.

E, sendo por divina revelação avisados num sonho para que não voltassem para junto de Herodes, partiram para a sua terra por outro caminho.” (Mateus 2:1-2, 9-12)


Os Magos do Oriente (μάγοι ἀπὸ ἀνατολῶν) citados neste trecho do Evangelho do Santo Apóstolo Mateus, provavelmente eram sacerdotes pagãos oriundos da Pérsia. Também podemos encontrar este termo atrelado à casta sacerdotal dos Medos, já que os gregos antigos costumavam classificar os Persas e os Medos como sendo um mesmo povo. O que de fato sabemos é que eram homens que lidavam com a interpretação de sonhos, vidência e astrologia.


Não temos a intenção de tratar dos magos em toda a sua amplitude, menos ainda nas divergências que saltam de diversas tradições cristãs, de Leste a Oeste: quais seriam seus nomes, número e práticas, para além do que nos é apresentado pelo Evangelista. A prática da astrologia por parte destes homens nos é clara e nela iremos nos atentar.


Estes magos eram homens cultos, vindos de uma região que viu o nascer e o sepultar de diversas civilizações, e versados nas mais diversas tradições e ciências. Sabemos que eles, como astrólogos, acreditavam (entre outras coisas) que os astros mantinham algum tipo de influência na criação como um todo, inclusive - e principalmente - no homem, coroa da Criação. Mesmo assim, apesar de cultos e convictos de suas crenças, não podemos apresentar condenação aos magos quanto a este erro relacionado à 'coroa da criação', afinal, a Verdade em sua plenitude não havia sido revelada ao entendimento humano e isso só aconteceu após a Encarnação. Foi através de Cristo que o homem conheceu seu verdadeiro propósito. O homem, em corpo, alma e espírito, ainda não havia sido escancarado em todos os seus labirintos. São Nicolau Cabasillas diz que antes da Encarnação, o homem sequer poderia encontrar a plenitude da justiça, quanto mais a Verdade [1]. Deus, que revelou a Si mesmo através da Pessoa de Cristo, também revelou ao homem o verdadeiro motivo de sua existência: tornar-se deus através da Graça [2]. Os magos não poderiam saber disso, apenas conceber minimamente, em pequenos espasmos causados pela 'semente do Verbo' que neles existia. Porém, no todo, estavam cegos como qualquer outro homem de seu tempo. Assim, dimensionando e compreendendo o homem de modo incorreto, os magos incorriam neste erro.


Porém, se os magos em seu desconhecimento "estavam livres" para cometer este erro, o mesmo não acontece conosco. Não gozamos do privilégio deste álibi. Somos nova criação, herdeiros de Cristo e de Sua Verdadeira Fé. Revestidos de Cristo pelo Batismo, somos chamados a não “servir a dois senhores”. E é exatamente disso que a astrologia se trata: servir a dois senhores.


A Estrela: 


Como dito anteriormente, os magos ainda não compreendiam a Verdade, eles não estavam sob a rocha da Verdadeira fé, o que os fazia percorrer a criação atrás de sinais que pudessem apontar para Aquele que esperavam ansiosamente. E o Senhor os atendeu, mas não se utilizando dos astros que já existiam, aqueles sobre os quais os magos buscavam suas respostas. A estrela que os guiou não era uma estrela comum, acessível aos homens através de seus ciclos. São João Damasceno nos explica este fenômeno: "Muitas vezes também acontece que surgem cometas. Estes são sinais da morte de reis, e eles não são nenhuma das estrelas que foram feitas no início, mas são formados ao mesmo tempo por ordem divina e novamente dissolvidos. E, portanto, nem mesmo aquela estrela que os magos viram no nascimento do Amigo e Salvador do homem, nosso Senhor, que se fez carne por nós, é do número daquelas que foram criadas no princípio." [3] Alguns Padres ainda afirmam que a estrela era nada mais do que algum poder angélico: "Quando você ouvir ‘estrela’, não pense que era uma estrela como a que vemos, mas um poder divino e angélico que apareceu na forma de uma estrela."  [4] "...esta estrela não era do tipo comum, ou melhor, não era uma estrela, como parece pelo menos para mim, mas algum poder invisível transformado nesta aparência, é, em primeiro lugar, evidente a partir de seu próprio curso" [5]


Não foram os “ciclos astrológicos” que guiaram os Magos, mas Deus, que o fez através deste sinal formado e dissolvido instantaneamente, sendo totalmente desconhecido por eles. "Os Magos, vendo o estranho curso de uma estrela desconhecida e recém-brilhante, que excedia o brilho de toda a luz celestial, aprenderam assim que Cristo Rei nasceu na terra, em Belém, para a nossa salvação." [6]. Usando assim de algo que lhes era familiar para trazê-los à Verdade.  "Como os Magos eram astrólogos, o Senhor os trouxe de maneira comum [a eles], como Pedro, sendo um pescador, saiu da multidão dos peixes." [7].


Apesar de ter se utilizado deste aspecto da fé dos magos, Deus não tinha a intenção de legitimá-la. Pelo contrário. Ele poderia muito bem ter se utilizado de alguma estrela já existente, conhecida dos magos, mas não o fez. Sua intenção não era confirmar suas crenças, e sim aniquilá-las. A estrela no nascimento de Cristo, anunciando a presença de Deus Encarnado, era tão brilhante,tão diferente de tudo o mais [nos céus], que a magia [dos magos] foi destruída, todo vínculo de maldade desapareceu, a ignorância foi dissipada e o antigo reino abolido."[8] Naquele exato momento, durante aquele evento, Deus aboliu completamente a fé e as práticas dos magos, apontando para uma nova e Verdadeira Fé, que havia sido anunciada já no ventre da Virgem e agora despontava na história naquela humilde manjedoura. Segundo o entendimento da Igreja, os próprios Magos aceitaram que suas práticas estavam completamente sepultadas pela encarnação do Deus-homem, obrigando-os a mudar de rota e abandonar a sua antiga prática da astrologia [9]. Fazendo um contraponto com as atitudes posteriores dos judeus, São João Crisóstomo nos diz sobre os Magos: "Considerando que os Magos reconheceram que a vinda de Cristo encerraria seu conhecimento profano e suas artes mágicas, os judeus não aceitaram que o Legislador acabasse com seus sacrifícios e se recusaram a aceitar os mistérios da dispensação divina. Os Magos confessaram um estranho; os judeus rejeitaram um dos seus" [10] Criticando a insensatez de quem defende a prática da astrologia com base nos magos, o mesmo Santo sentencia o fim desta prática: “O que eles alegam, então? Eis que, dizem eles, mesmo quando Cristo nasceu, uma estrela apareceu, o que é um sinal de que se pode confiar na astrologia. Como, então, se Ele nasceu de acordo com essa lei, Ele acabou com a astrologia, eliminou o destino, tapou a boca dos demônios, expulsou o erro e derrubou toda essa feitiçaria? [11]


O testemunho dos Padres é inequívoco: nos magos temos a abolição e o sepultamento da astrologia, não sua justificativa. Onde muitos buscam um pretexto para sua prática, a Verdade determina o seu fim. Nos resta escolher: ajoelhar-se diante do Deus Encarnado, como fizeram os magos, ou seguir o amargo sussurro do demônio.


Indo adiante, apesar de esclarecido totalmente esse ponto, muitos ainda podem argumentar: "mas são obtidas respostas quando consultamos as estrelas e muitas delas são benéficas para minha vida". São questionamentos próprios da mentalidade moderna, que apesar de falsamente pragmática e muitas vezes dissimulada, acaba sendo incontornável em nosso século. Porém, cabe a nós afirmar que nem todo resultado obtido, sejam quais forem os meios utilizados, pode ser considerado inerentemente "bom" pelo simples fato de existir. E sendo supostamente "bom", não pode ser automaticamente considerado como tendo parte com a Verdade. A procedência é algo realmente importante e deve ser levada sempre em consideração. Em Atos 16 podemos ler  sobre o encontro do Santo Apóstolo Paulo com uma jovem que predizia o futuro através de um espírito imundo. Ao ver Paulo e outros Apóstolos caminhando, ela começou a segui-los por dias, anunciando: “Estes homens são servos do Deus Altíssimo e lhes anunciam o caminho da salvação"(Atos 16:17). Estas palavras, colocadas em sua boca pelo espírito imundo, eram totalmente verdadeiras. Porém, vemos como o Apóstolo Paulo lidou com isso: “Paulo ficou indignado, voltou-se e disse ao espírito: "Em nome de Jesus Cristo eu lhe ordeno que saia dela! " No mesmo instante o espírito a deixou. (Atos 16:18). É assim, pois o demônio não trabalha pela Verdade, ainda que, na busca pela nossa perdição, ele possa circunstancialmente dizer palavras verdadeiras. Isso nos mostra a necessidade urgente de compreendermos corretamente o que é a “Verdade” do ponto de vista Ortodoxo, para que não caiamos no erro dos que a vinculam com qualquer ideia criada pela mente humana, retorcendo-a em uma simples engrenagem de autojustificativa e orgulho.



  

[1] Nicholas Cabasilas, “The Life in Christ”, 55-56

[2]Theosis: The True Purpose of Human Life, 21

[3] An Exposition of the Orthodox Faith (Book II) - Chapter 7. Concerning light, fire, the luminaries, sun, moon and stars.

[4]Theophyiact (785-840), PG. 123:61.

[5] St John Crysostom, ""Homily 6 On the Gospel of Matthew"

[6] Matins Canon of the Nativiy of Crist, Ode Nine, Mode One

[7] St Theophyiact (785-840), PG. 123:61.

[8] St Ignatius, 'Letter to the Ephesians'.19

[9]  Tertullian, On Idolatry, 9.

[10]John Chrysostom, Sermon for the Epiphany, Holy Apostles Covent, “The Lives of the Holy Apostles”, 202  

[11] St John Chrysostom, ""Homily 6 On the Gospel of Matthew"



trechos do artigo  “Notas sobre a Ortodoxia e a astrologia” - (em processo de edição)