quinta-feira

O Significado das Festas e dos Jejuns na Ortodoxia - Arquimandrita Gregorios(Estephan)

 



 

Por Arquimandrita Gregorios(Estephan) -Pai Espiritual do Mosteiro da Dormição da Mãe de Deus - Bkeftine

 

Grandes jejuns existem antes das grandes festas, cada um de acordo com a grandeza de cada festa. Cada jejum é uma oportunidade para lembrarmos de nossos pecados e nos arrependermos, e cada festa é uma oportunidade de entrarmos no mistério do evento que está sendo celebrado. Na Natividade, temos a oportunidade de participar no mistério de Deus que, antes de julgar, amou e Se sacrificou pelos seus entes queridos. Se jejuarmos e lutarmos contra o inimigo, que tenta nos arrastar para longe de Cristo afogando-nos nas preocupações mundanas e nos preparativos da festa, então Cristo revelará Sua existência dentro de nós - nem na Terra visível, nem no céu invisível, mas na pequena manjedoura de nosso coração visível e invisível.

 

Quem realmente jejua, com arrependimento e lágrimas, aguarda pela festa para celebrá-la com vigílias, orações e louvores. Assim, os verdadeiros cristãos são dignos de celebrar suas festas e de entrar no mistério da economia de Cristo para nossa salvação. As festas são para os que jejuam; aqueles que não jejuam são incapazes de perceber qualquer coisa da essência dessas festas - não porque Deus não os aceita, mas porque eles próprios são incapazes de encontrar a Deus. Como tal, Deus não se escondeu de Adão, mas sim, Adão não foi capaz de enfrentar Deus, porque ele foi negligente e submeteu-se às suas paixões. Jejuar com conhecimento e discernimento significa apenas uma coisa: uma luta incansável contra o pecado que reside em nós, contra as paixões e desejos que nos separam de Deus. Este é o sacrifício que o homem oferece a Deus na preparação de suas festas: uma alma laboriosa que ama os jejuns e odeia as paixões e os desejos. É por isso que dizemos que quem não jejua nunca entenderá o significado de uma festa.

 

O Jejum da Natividade entrou na vida da Igreja em um estágio posterior, após a própria festa ter sido introduzida no século IV, porque a Igreja organizou sua vida litúrgica gradualmente. Nada na Ortodoxia desceu do céu como está, mas tudo nela é verdadeiramente inspirado do Céu. A graça do Espírito Santo está sempre presente na Igreja, mas é concedida a quem dEla participa dignamente. Certamente sabemos que Deus envia uma graça especial durante as festas da Igreja, uma graça abundante para aqueles que participam dessas festas com jejum e arrependimento. Tal deve ser verdadeiramente com Cristo durante Suas festas e as celebrações de Seus santos.

 

A comemoração destas festas não atinge o seu significado profundo, exceto na Liturgia. Aqui, a comemoração é elevada de sua forma intelectual desprovida à verdadeira comunhão do homem na graça divina que governa a festa. É um grave erro quando algumas paróquias encurtam os serviços litúrgicos e celebram a festa da Divina Liturgia à noite, por cerca de uma ou duas horas, e após terminar o que pertence a Cristo, as celebrações mundanas começam. Claro, reuniões familiares com comida e bebida não são um impedimento para a celebração - o que está errado é transformar o objetivo da festa neste encontro mundano, em vez de viver o evento da Natividade com vigília e oração noturna a Cristo, que nasceu para nós. Qual o sentido da festa quando ela começa com uma rápida Divina Liturgia, onde os fiéis participam sem preparação, como se fosse um compromisso social, e termina com festividades mundanas que duram a noite toda? Esta festividade não deve ser celebrada à noite - a noite não é um momento de festividade. Nem é preciso dizer que a ideia de uma Divina Liturgia noturna* está totalmente errada. Este é um pecado da Igreja que não será perdoado - quando ela começa a se submeter ao descuido de seus membros, sustentando seu estilo de vida mundano que é destruído por paixões e fraquezas. A Igreja, preocupada com a salvação do povo, que será uma minoria, um remanescente, não deve ceder nem mesmo uma letra de sua lei espiritual, que livra seus fiéis de estarem imersos nos cuidados mundanos, direcionando-os a desejar apenas o que pertence a Deus. As necessidades pastorais não permitem abdicar das regras da vida litúrgica. O objetivo da Igreja neste mundo não é reunir uma multidão de pessoas que se contentam com uma dose menor do que é essencial na vida da Igreja, mas produzir santos por meio da vivência da plenitude da experiência espiritual litúrgica.

 

Cristo encarnou para cumprir esse objetivo, para direcionar toda a nossa jornada de vida para o céu. O perigo real que a Igreja enfrenta hoje não se limita apenas às celebrações mundanas da Natividade de Cristo, mas é mais grave: o mundo tenta leva-la a apagar toda a verdade e o objetivo da Encarnação de Cristo, à semelhança do que aconteceu no Ocidente cristão, onde o cristianismo foi transformado em disciplina moral, destinada a estabelecer a sociedade ideal, ao invés do novo homem unido à Ressurreição de Cristo.

 

A humanidade esperou milhares de anos por esta noite. Toda a jornada do Antigo Testamento se completa nesta noite, quando Deus está encarnado, assumindo a forma de um homem. A história testemunha que Deus suportou as fraquezas, pecados e iniquidades das pessoas com grande paciência, para que fossem aceitos como filhos em vez de escravos. Isso é o que significa plenitude dos tempos. Anjos vieram do céu para pregar a toda a criação sobre este evento. Os magos do Extremo Oriente vieram; eles certamente viram o anjo que pregou a concepção de Cristo no ventre da Virgem, de modo que eles chegaram no dia de Sua Natividade. Eles jejuaram e trabalharam, então celebraram com o próprio Cristo. Suas vidas eram uma expectativa desse grande acontecimento. Eles virão nEle o Senhor dos planetas e das estrelas, vindo para sua salvação. Quanto a nós, ao nos apressarmos em uma rápida Divina Liturgia, estamos de alguma forma dizendo a Cristo: “Você tem as suas festas e nós temos as nossas”. A Igreja deve lembrar a seus fiéis que o Reino de Deus não é comer e beber, mas justiça, paz e alegria no Espírito Santo (Rm 14:17); e isso é realizado unicamente na Igreja, em seus jejuns e em todos os detalhes de viver sua fé e sua vida litúrgica.

 

Os cristãos se esqueceram que a Divina Encarnação revelou como Deus busca o homem, não para amarrar sua liberdade, mas para dar-lhe o Seu próprio Ser. Ele não veio como um poderoso deste século; Deus se revelou desta forma humilde, não para mostrar que Ele é realmente manso e humilde de coração, mas porque esta é a única maneira que não afeta negativamente a liberdade do homem em sua fé em Deus. Por meio desta humilde Encarnação, Deus manteve a oportunidade do homem de descobrir livremente a Deus.

 

Deus não nos criou para a morte, mas para a vida. O objetivo da Encarnação é nos gerar novamente desta morte eterna que aceitamos voluntariamente: Porque o Filho do Homem veio buscar e salvar o que estava perdido (Lc 19,10). Os hinos festivos nos ensinam como nos preparar para a salvação vindoura: “Venham, fiéis inspirados por Deus, levantem-se e vejam a descida de Deus do alto! Ele se manifesta a nós em Belém! Vamos limpar nossas mentes e oferecer a Ele, em vez de mirra, uma vida de virtude. Vamos nos preparar com fé para celebrar Sua Natividade, acumulando tesouros espirituais e clamando: Glória a Deus nas Alturas! ”

 

*Como apresentado anteriormente no texto, Abouna Gregorios fala da Divina Liturgia celebrada isoladamente, sem as orações e vigílias que deveriam precede-la. No Oriente, estas vigílias são chamadas “Sehraniyye” e costumam ter entre seis e onze horas de duração(geralmente Mosteiros).

**Por motivos de saúde, ou alguma impossibilidade incontornável, a não realização de um jejum prescrito pela Igreja deve ser tratado diretamente com o pai espiritual, que vai conduzir a pessoa da melhor maneira possível, de modo que ela não tenha prejuízos espirituais pela não realização deste jejum.


Tradução: Hipodiácono Paísios