quarta-feira

O Farisaísmo e a Adoração a Deus - Arquimandrita Gregórios (Estephan)

 



Arquimandrita Gregorios(Estephan) – Hegúmeno do Mosteiro da Dormição da Mãe de Deus - Bkefitine


Nestes quatro domingos que antecedem o Grande Jejum, que são preparatórios para a Grande Quaresma, a Igreja nos apresenta os princípios fundamentais sobre os quais devemos edificar o nosso jejum de quarenta dias.

No primeiro domingo, chamado domingo do Fariseu e do Publicano, a parábola bíblica nos revela o espírito com o qual devemos jejuar e orar durante a Quaresma. O significado essencial desta passagem bíblica gira em torno de dois temas essenciais: orgulho e presunção, por um lado, e humildade e arrependimento, por outro. Os dois primeiros nada mais são do que uma adoração podre e falsa a Cristo, enquanto os dois últimos são os fundamentos da salvação em Cristo. Nossa salvação depende de como adoramos a Deus. Nossa adoração a Deus pode nos justificar, mas também pode nos condenar. Na Igreja, adoramos o Deus Verdadeiro, mas nossa adoração pode se tornar egocêntrica.

Na Igreja, o farisaísmo tornou-se um símbolo de orgulho e altivez. Alguns o utilizam de um ponto de vista moralista para indicar uma epidemia na sociedade; outros o utilizam para descrever qualquer pessoa que não concorda com suas posições e pensamentos.

Cristo rejeitou o orgulho farisaico e o julgou, não apenas porque o orgulho destrói toda virtude no crente, mas porque destrói todo senso de verdade que existe nele. O início do orgulho aparece no julgamento aos outros, na autojustificação e na presunção. O pecado da autojustificação é a antítese do arrependimento; não apenas faz um homem julgar-se justo aos seus próprios olhos, mas também alimenta seu egoísmo e apego aos seus próprios pensamentos e vontades.

Essas paixões graves são um véu sobre nossos olhos espirituais. É precisamente por isso que o fariseu não viu a necessidade de buscar a misericórdia de Deus e o perdão dos seus pecados. E quem vê apenas a sua própria justiça julga os outros com facilidade e os despreza. É por isso que toda queda na história e toda heresia que cresceu (e cresce) no mundo foi causada, principalmente, pelo orgulho farisaico e a convicção da autojustiça.

O homem nunca se humilhará e sentirá o peso de seus pecados enquanto contar seus feitos e se orgulhar de suas grandes obras. A enumeração de feitos e o orgulho deles é o principal combustível para o orgulho. E a maioria dos cristãos vive uma espécie de “cristianismo social” que alimenta o espírito do egoísmo, de modo que facilmente caem nas paixões da presunção, da vanglória, do orgulho… e da heresia.

Cristo quis nos advertir de cair nessas paixões mortais quando Ele disse: Ai de vós, quando todos os homens falarem bem de vós! (Lucas 6:26)

Do ponto de vista da fé, o verdadeiro farisaísmo compreende essa escuridão em que a alma orgulhosa cai, de modo que ela não faz mais distinção entre o que é do Espírito de Deus e o que é do espírito do diabo. Essa alma torna-se incapaz de discernir a verdade da ilusão. Só os humildes são verdadeiramente espirituais, porque obedecem à Igreja, à sua fé e aos seus cânones, e Deus concede-lhes o dom do discernimento e a capacidade de separar o que é verdadeiro e o que são os falsos ensinamentos que desfiguram esta Verdade. Estes (humildes) são os mestres e Padres da Igreja e os defensores de sua Fé.

Esta é a luta constante entre orgulho amaldiçoado e humildade abençoada; farisaísmo e obediência; autoconfiança e arrependimento; essa luta aumentará à medida que avançamos para o fim. O pecado do fariseu não está somente na alma que se desvia da verdade, mas naquela alma a quem a verdade é revelada, mas continua insistindo em sua ilusão; e induz os outros ao erro enquanto sugere que eles estão certos. O farisaísmo é a cegueira diante da Verdade, quando a Verdade está totalmente presente diante de nós em sua plenitude. O farisaísmo não é a adesão firme à nossa fé Ortodoxa e a nomeação de hereges e falsos mestres. O farisaísmo é a adesão patológica às nossas convicções pessoais, que se opõem aos ensinamentos da Igreja e decorrem de um espírito mundano e das instabilidades da Nova Era.

Cristo não condenou o pecador, mas Ele mesmo condenou o herege, quando disse que todas as blasfêmias são perdoadas, mas aquele que blasfemar contra o Espírito Santo nunca terá perdão, mas corre o risco de condenação eterna (Mc 3:29 ). Nossos Santos Padres entendem estes "blasfemadores imperdoáveis" como hereges e falsos mestres.

O nosso Cristo é o Cristo dos humildes, que abençoa o que a Igreja abençoa e anatematiza o que ela anatematiza. Tais pessoas não pecam contra Deus, nem contra os homens, nem contra a fé, nem contra o amor.

O amor não unifica a humanidade – a fé Ortodoxa em Deus é o que unifica os homens, de uma forma interna e íntima. Quando crêem na mesma fé, tornam-se um, e o amor sela então esta unidade, mediante a participação no único Corpo e Sangue de Cristo. Quem lê sobre o caminho da Igreja em todo o Novo Testamento com uma mente humilde, vê claramente que é um caminho, com uma única fé, que nos une a Jesus Cristo – a única Verdadeira Fé que resiste a todos os ensinamentos distorcidos e tortuosos. O 'amor', como mencionam os Apóstolos do Novo Testamento, nada mais é do que a afirmação desta unidade, uns com os outros e com Deus, entre os que estão unidos pela Fé única, que se ativa na participação no Santo Corpo e Sangue de Cristo na Eucaristia.

Quanto ao amor que não se baseia nessa Fé única, é apenas um amor externo, farisaico, um amor hipócrita, como o amor que o fariseu demonstrava para com Deus e seus semelhantes na oração, no jejum e na esmola.

O fariseu pensou que era justificado por suas obras, então ele as enumerou e confiou nelas. Quanto ao publicano, ele confiava em sua fé em Deus; a força dessa fé é revelada quando ele busca a misericórdia de Deus com tal espírito contrito. A sinceridade da fé do homem é revelada pela franca confissão de seus pecados diante de um pai espiritual na Igreja, e sua fé é fortalecida ao buscar a misericórdia de Deus com inabalável insistência. E o publicano, parando de longe, não levantava sequer os olhos ao céu, mas batia no peito, dizendo: Deus, tenha misericórdia de mim, que sou pecador (Lucas 18:13).

Esses são os sinais do verdadeiro arrependimento e autoconhecimento; O profeta Davi os descreve da seguinte forma: Os sacrifícios que agradam a Deus são um espírito quebrantado;um coração quebrantado e contrito, ó Deus, não desprezarás (Sl 50:17).

O fariseu rezava como qualquer outra pessoa, mas uma oração como a dele, com um espírito altivo e inconsciente de seus pecados, é uma oração feita aos demônios, não a Deus. Aquele que ora verdadeiramente deve ser cheio de compaixão pelos outros e amor – não julgamento – pelos pecadores. O fariseu orgulhava-se de seu jejum, enquantoobjetivo do jejum é que a alma seja esmagada e humilhada, para crescer no controle dos caprichos do corpo, na purificação dos pensamentos e na renúncia às coisas mundanas. Ele se orgulhava de dizimar todos os seus bens, enquanto o objetivo do dízimo é transformar nosso egoísmo em sensibilidade para com os outros e nos libertar da avareza e do amor ao dinheiro. Este é o espírito farisaico que se opõe ao espírito humilde - que é um espírito que ama a Cristo mais do que a si mesmo. Este é o inicio de nossa jornada rumo à Páscoa. A Igreja nos ensina através desta parábola a acompanhar o jejum com humildade, para que possamos crescer na Fé, no autoconhecimento e na consciência de nossos pecados.

O objetivo do jejum é curar a alma de seus desejos corruptos, doenças espirituais e tendências perversas. Mas o jejum é estéril sem oração focada... e a oração sincera não existe sem humildade, suspiros e arrependimento.